Uma morte simbólica no Dia dos Pais

    

Chegou mais um dia dos pais. Essa data sempre me passa indiferente. Até então, se resumia a mais uma obrigação de comprar um presente que eu não fazia a menor questão de dar para meu pai, ou simplesmente nem comprar é só dar um constrangido aperto de mão. Bem, desta vez não está sendo assim. 

Meu processo de aproximação da masculinidade começou em 2021. Aos 31 anos. Até aquele momento, o sofrimento dos homens era pra mim algo quase impensável. Imerso em distorções da minha cabeça e outras que se escuta e lê na sociedade, eu tinha dificuldades em aceitar que, homens privilegiados e principalmente os heterossexuais, pudessem ter legitimidade em sofrer. Foi quando assisti o documentário “O silêncio dos homens”. Um amigo me recomendou esse documentário e foi quando percebi que eu tinha dificuldades em legitimar o sofrimento dos homens por: 1) não termos, enquanto homens, muito acesso a mecanismos e espaços propícios para falar desses problemas, por isso o silêncio. Eu não era capaz de escutar o que nunca era dito. 2) não validava meu próprio sofrimento. Mesmo em análise, passei muito tempo achando que aquelas questões que eu trazia não eram tão importantes quanto outras maiores e mais urgentes, como a fome, a violência doméstica ou ideações suicidas. Havia sempre uma baixa autoestima latente ali, e eu mesmo não era capaz de perceber ainda. 

Este dia dos pais está sendo diferente pois estou com uma nítida sensação de que perdi meu pai. Isso é loucura! Ele está bem ali, sentado na minha frente. Sua fisionomia cansada, porém imponente não nega. É ele mesmo! Essa morte só pode, então, ser simbólica. O pai que estou sentindo que morreu talvez não seja esse sujeito que está bebericando sua cerveja pacificamente e em silêncio, como sempre faz. Essa morte é sentida dentro de mim. O pai que morreu estava dentro, e não fora de mim. 

Uma reaproximação entre nós se torna imperiosa. Estarei preparado para enfraquecer a resistência que tem perpetuado o vácuo entre nós? A resistência de me aproximar não é medo de ser rechaçado ou me frustrar em minha empreitada. Ela é bem mais poderosa e desconhecida do que o medo. Ela me protege e me isola num lugar de poder. O homem mais importante e emblemático da minha vida é justamente aquele que rejeitei por tantos anos. E, ironicamente, é aquele que tanto busco em outros homens. E não tem como encontrá-lo. Pois ele segue ainda sendo um mistério para mim. Mas não apenas a figura dele em si. O que preciso desvendar deste grande mistério familiar é: como amam os homens?

Comentários

  1. Que você reencontre seu pai, da forma como ele é, dentro de você, Ricardo.
    Por mais amor nesse mundo de todas as formas.
    Que seu pai fique bem. Que vc fique bem.

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    Respostas
    1. Muito obrigado pelas palavras de carinho e conforto, caro Vagner.

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